Red Hot + Rio

Música brasileira reúne nomes do pop na luta contra a aids

por Felipe Tadeu

Há sempre quem torça o nariz para artistas que põe seu prestígio e talento em nome de uma causa bem-vista. Se Sting cria a Rainforest Foundation para combater o fim das florestas tropicais, se o U-2 realiza concertos com renda revertida para o Greenpeace, ou se Chico Buarque cansou de organizar eventos musicais para fortalecer os movimentos pela democracia no Brasil, tudo isso não passaria de auto-promoção, às custas de campanhas óbvias. 

 

Mas, geralmente, esses críticos mais sisudos, costumam incorrer num imobilismo tão absurdo e complacescente, que não há ceticismo que justifique tal posição. É bom lembrar que há tantas causas em pró da vida para nos engajarmos - tal o avanço da deterioração de nosso planeta e dos seres que nele vivem -, que qualquer contribuição é sempre muito benvinda. E quando a iniciativa é levada à frente por entidades de notória credibilidade, como é o caso da Red Hot Organisation, não há porque usar o nariz para torcê-lo. Pois a ONG internacional acima citada, acabou de lançar um CD* em homenagem a Tom Jobim e à MPB, que terá o lucro revertido para o combate ao HIV. Não bastasse a questão ser das mais relevantes de nosso tempo, os militantes da entidade conseguiram, ainda por cima, produzir um disco bastante inusitado sobre a música feita no Brasil. "Red Hot+Rio" consegue a proeza de reunir gente como David Byrne, Everything but The Girl, George Michael, Flora Purim, Cesária Évora, Mad Professor, Chico Science e Cazuza, dentre outros, todos cantando MPB, em arranjos bastante curiosos.

 

Por exemplo: Cesária Évora, Caetano Veloso e Ryuichi Sakamoto interpretando "É Preciso Perdoar", de Carlos Coqueijo, Alcivando Luz e Arto Lindsay. Para quem já é fã de Cesária, nada mais interessante que vê-la cantando com sotaque abrasileirado e dividindo a "cancha" com o seu anfitrião no Brasil, o autor de "Alegria, Alegria". Marisa Monte empresta seu gogó privilegiado em dueto com o Talking Head David Byrne em "Waters of March" (Aguas de Março), enquanto Astrud Gilberto e George Michael cantam "Desafinado". O Everything but The Girl arranha um português em "Corcovado", e Crystal Waters troca a garota pelo menino, em versão de "The Boy From Ipanema" de fazer a festa de homos e heteros.

 

As 21 faixas que contém o "Red Hot+Rio" trazem muitos brasileiros engajados no projeto: Anna Caram divide "Water to drink" (Agua de Beber) com Omar e o grupo Incógnito, Milton Nascimento marca presença com a instrumental "Dancing", em memória de Márcio Ferreira, e o próprio homenageado Tom Jobim dialogando com Sting em "How Insensitive" ("Insesatez"), reaproveitada do último disco do maestro. Chico Science e o DJ Soul Slinger pegam de "Maracatu Atômico", a banda mangueirense "Funk'n Lata", de Ivo Meirelles, vem de "Sambadrome" e Gilberto Gil refaz a "Refazenda" em arranjo mais rústico.Mas, dentre tantas leituras multinacionais de clássicos da Música Popular Brasileira, as duas melhores faixas do disco são a "Non-Fiction Burning", de PM Dawn, Flora Purim e Airto Moreira, e a canção "Preciso Dizer que Te Amo", de autoria de Cazuza, Bebel Gilberto e Dé. Em gravação caseira, realizada em maio de 1986 na Fazenda Inglesa, em Petrópolis, a faixa é de levar os amantes de Cazuza às lágrimas e ao riso. Cazuza meio pra-lá de Bagdá, Dé com o violão "dormindo no ponto" e uma Bebel esforçada em botar ordem no set. Comove.

 

* Outros CD's já lançados pelo projeto: "Red Hot+ Blue (tributo a Cole Porter), "Red Hot+ Latin", "Offbeat: A Red Hot Soundtrip", "Red Hot Bothered", "Stolen Moments: Red Hot+ Cool (com Digable Planets e Herbie Hancock, dentre outros), "Red Hot+ Country", "No Alternative" e "Red Hot+ Dance".